A importância da calagem em sistemas agrícolas tropicais

A importância da calagem em sistemas agrícolas tropicais

A correção da acidez do solo por meio da calagem é fundamental para melhorar a fertilidade (química, física e biológica) do solo. 

Isso porque a acidez do solo é um desafio significativo para a agricultura, especialmente em regiões com solos naturalmente ácidos (pH em CaCl2 entre de 4,3 e 5,3), como o Cerrado brasileiro. 

Porém, a adoção da calagem tem como papel proporcionar melhores condições para o desenvolvimento das culturas. 

Aqui, vamos explorar em detalhes a importância dessa prática agrícola, seus benefícios e como ela deve ser realizada, por meio deste artigo desenvolvido por João William Bossolani, Engenheiro Agrônomo e Dr. em Sistemas de Produção

Acompanhe.

Antes da calagem, entenda a acidez do solo 

A acidez do solo é um dos principais fatores que limitam o desenvolvimento das culturas, reduzindo significativamente o potencial produtivo. Aproximadamente 50% das áreas agricultáveis no mundo apresentam problemas relacionados à acidez do solo. E é importante entender o que isso significa antes de falarmos sobre a calagem. 

A acidez do solo refere-se à concentração de íons de hidrogênio (H⁺) presentes na solução do solo. Portanto, a intensidade da acidez em um solo é expressa como pH do solo. O pH do solo é comumente determinado após equilibrar o solo com água destilada ou deionizada ou uma solução salina, como o cloreto de cálcio (CaCl2).

Existem diferentes tipos de acidez, mas as mais relevantes são:

  • Acidez ativa: Medida diretamente pelo pH
  • Acidez potencial: Representada por H+Al.

Importância do pH ideal

A função da calagem é contribuir para o alcance do pH ideal do solo que, para a maioria das culturas, varia entre 5,5 e 6,0, se mensurado em CaCl2, ou entre 6,0 e 6,5, se mensurado em H2O. 

Nessa faixa de pH é onde a disponibilidade de nutrientes no solo é maximizada (ver a Figura 1). Um pH adequado é crucial para a produtividade agrícola, mas um pH muito alto ou muito baixo pode prejudicar a disponibilidade de nutrientes e o desenvolvimento das plantas.

Figura 1. Relação entre a disponibilidade de nutrientes e pH do solo.

Fonte: Malavolta (1979).

Fatores que contribuem para a acidez do solo

  • Formação natural dos solos ácidos: Os solos brasileiros, em grande parte, são naturalmente ácidos devido ao processo de formação dos solos, ao clima tropical, com altas precipitações, e à presença de materiais de origem pobre em minerais primários e secundários. Esses fatores promovem a lixiviação de cátions básicos (como Ca2+, Mg2+, K+) e o acúmulo de cátions ácidos, como H+ e Al3+.
  • Práticas agrícolas: A acidez do solo também pode ser intensificada por práticas agrícolas, como o uso de fertilizantes amoniacais, e a erosão do solo, que expõe horizontes subsuperficiais mais ácidos. A absorção e a exportação de cátions básicos pelas plantas durante a colheita também contribuem para a acidificação dos solos.

Capacidade de troca de cátions (CTC)

Outro conceito chave para se entender sobre a acidez do solo e como a calagem é importante é o de Capacidade de Troca Catiônica (CTC). A CTC do solo representa a capacidade do solo de reter e liberar cátions como Ca²+, Mg²+, K+, H+ e Al³+, além dos micronutrientes catiônicos, como o ferro (Fe2+), manganês (Mn2+), cobre (Cu2+) e zinco (Zn2+). 

Solos com alta CTC possuem maior fertilidade, pois conseguem reter mais nutrientes nos coloides do solo, devido a maior densidade de cargas negativas. A CTC é especialmente importante em solos tropicais, que frequentemente possuem baixa capacidade de troca de cátions, limitando a fertilidade.

Em solos tropicais, existem duas formas de induzir a formação de cargas negativas (CTC). Uma é aumentando o teor de Matéria Orgânica do Solo (MOS). Aumentar o teor de MOS significa aumentar a capacidade de retenção de cátions no solo.

A outra forma é aumentando o valor de pH. Essa segunda opção certamente pode ser obtida mais facilmente, visto que isso conseguimos com adição de corretivos de acidez a um baixo custo e em curto a médio prazo.

Calagem: o que é e como funciona

A calagem consiste na aplicação de corretivos alcalinos, como calcário, por exemplo, para neutralizar a acidez do solo. Esse processo aumenta o pH do solo, reduzindo a acidez ativa e potencial e melhorando a disponibilidade de nutrientes. 

A calagem é uma prática essencial para a viabilização da produção agrícola, pois neutraliza a acidez do solo, aumenta a disponibilidade de nutrientes, além de fornecer Ca²⁺ e Mg²⁺, e reduzir a toxidez por Al3+.

Benefícios da calagem

A calagem oferece vários benefícios importantes:

  • Neutralização da toxidez do alumínio: Alumínio em excesso é tóxico para as plantas, prejudicando o crescimento radicular.
  • Aumento da CTC: Melhora a capacidade do solo de reter nutrientes essenciais.
  • Redução da lixiviação de nutrientes: Diminui a perda de nutrientes para camadas mais profundas onde as raízes não alcançam.
  • Fornecimento de cálcio e magnésio: Nutrientes essenciais para o desenvolvimento das plantas.
  • Aumento da atividade microbiana: Melhora a saúde do solo e a decomposição da matéria orgânica.

Tipos de corretivos de solo

Existem diversos tipos de corretivos de solo disponíveis no mercado, cada um com características específicas:

  • Calcário: Produto obtido pela moagem da rocha calcária, composto por carbonato de cálcio (CaCO₃) e carbonato de magnésio (MgCO₃). É classificado em calcítico (baixo teor de Mg) ou dolomítico (alto teor de Mg). Quanto à sua natureza geológica, o calcário pode ser classificado como sedimentar ou metamórfico.
  • Cal virgem agrícola: Obtida pela calcinação completa do calcário, composta por óxido de cálcio (CaO) e óxido de magnésio (MgO). Libera Ca²⁺, Mg²⁺ e OH⁻ rapidamente, neutralizando a acidez do solo.
  • Cal hidratada agrícola: Derivada da hidratação da cal virgem, composta por hidróxido de cálcio (Ca(OH)₂) e hidróxido de magnésio (Mg(OH)₂). Sua ação neutralizante é similar à da cal virgem.
  • Calcário calcinado: Resultado da calcinação parcial do calcário, composto por CaCO₃, MgCO₃, CaO, MgO, Ca(OH)₂ e Mg(OH)₂. Combina a ação neutralizante de bases fortes e fracas.
  • Silicato de Ca e Mg: Subproduto da indústria do ferro e aço, composto por silicato de cálcio (CaSiO₃) e silicato de magnésio (MgSiO₃). Sua ação neutralizante é mais eficiente que o carbonato.
  • Carbonato de cálcio: Obtido da moagem de margas, corais e sambaquis, com ação semelhante ao carbonato de cálcio dos calcários.

Qualidade do corretivo

O sucesso da calagem depende de três fatores principais: dosagem adequada, qualidade do corretivo e aplicação correta. A qualidade do corretivo é medida pelo Poder Relativo de Neutralização Total (PRNT), que combina o poder de neutralização (PN) e a reatividade (RE) do corretivo.

  • Poder Relativo de Neutralização Total (PRNT): Combina o PN, que indica a capacidade potencial do corretivo em neutralizar a acidez do solo, e a RE, que mede a taxa de reatividade do corretivo em um período de 3 meses, considerando a granulometria.
  • Granulometria: Quanto mais fino o corretivo, maior o contato com o solo e mais rápida sua ação. A boa mistura e incorporação do corretivo ao solo são essenciais para uma aplicação eficiente.

Métodos para estimar a necessidade de calagem

Os métodos mais comuns para estimar a necessidade de calagem são baseados no pH da solução tampão, teor de alumínio, cálcio, magnésio e saturação de bases. No Brasil, os métodos mais utilizados incluem:

  • Método SMP: Utilizado no Sul do país, baseia-se no decréscimo do pH de uma solução tampão após equilíbrio com o solo. A necessidade de calagem é estimada a partir do valor do pH SMP (tabela regional).
  • Método da neutralização do Al e/ou elevação dos teores de cálcio e magnésio: Baseado nos teores de alumínio, cálcio e magnésio extraídos com cloreto de potássio (CaCl₂), garante doses maiores de calcário, especialmente em solos arenosos.

Dose de calcário (t ha1) = Y × [Al3+ – (mtolerada × CTC / 100)] + [X – (Ca2+ + Mg2+)], em que:

  • X = exigência em cálcio e magnésio pela cultura (somatória de Ca + Mg);
  • mt = máxima saturação por alumínio tolerada pela cultura;
  • Y = fator que varia com a capacidade tampão de acidez do solo podendo ser definido de acordo com a textura:
Cultura mtonelada X = (Ca + Mg)
Milho e sorgo 15 2
Soja 20 2
Cana-de-açúcar 30 3,5
  • Solos arenosos (0 a 15% de argila): Y = 0 a 1,0
  • Textura média (16 a 35% de argila): Y = 1,0 a 2,0
  • Argilosos (36 a 60% de argila): Y = 2,0 a 3,0
  • Muito argilosos (61 a 100% de argila): Y = 3,0 a 4,0
  • Método de saturação de bases: Utilizado no estado de São Paulo, correlaciona pH e saturação de bases, requerendo a determinação de Ca, Mg, K e, em alguns casos, Na, além de H + Al.

Dose de calcário  (t ha1) = [(V2 – V1) × CTC] / (PRNT × 10), em que:

    • V2 = saturação por bases desejada (verificar a recomendação para cada cultura);
    • V1 = saturação por bases atual (análise de solo em mmolc dm-3);
    • CTC = capacidade de troca catiônica, em mmolc dm-3 ;
    • PRNT = poder relativo de neutralização total do calcário a ser aplicado.

Diferentes tipos de solo e necessidade de calagem

A recomendação de doses de calcário deve considerar o tipo de solo, pois solos argilosos e com maior teor de matéria orgânica possuem maior poder tampão e necessitam de mais corretivos em comparação aos solos arenosos, que requerem correções mais frequentes devido à menor CTC.

A aplicação do calcário deve ser feita pelo menos 3 meses antes do plantio, com água sendo essencial para a reação do calcário no solo. O corretivo deve ser aplicado uniformemente e, dependendo do sistema de cultivo, incorporado ao solo para maior eficácia.

Calagem em sistema de plantio direto (SPD)

Antes de iniciar o SPD, a acidez do solo deve ser completamente corrigida. No SPD, a aplicação superficial de calcário, sem incorporação, é prática comum para manter as características físicas do solo.

Para maximizar a eficiência, recomenda-se a correção prévia das camadas mais profundas antes do estabelecimento do SPD, permitindo o enraizamento profundo das plantas. A calagem superficial é influenciada por fatores como dose, granulometria do calcário, precipitação pluvial, manejo da adubação, rotação de culturas e aporte de matéria orgânica.

Fatores que afetam a correção da acidez em aplicações superficiais

A movimentação do calcário para camadas mais profundas depende de fatores como bioporos formados por raízes, fendas no solo e atividade de microrganismos. A dissolução dos carbonatos na presença de água e CO₂ forma pares iônicos que são lixiviados para camadas mais profundas, reduzindo a acidez. 

A incorporação biológica e bioquímica do calcário, promovida pela atividade microbiana, e a formação de ácidos orgânicos hidrossolúveis também contribuem para a melhoria da fertilidade do subsolo.

Considerações finais

A calagem é uma prática agrícola essencial para a correção da acidez e para a melhoria da fertilidade em solos ácidos. Essa técnica aumenta a disponibilidade de nutrientes, melhora a estrutura do solo e promove um crescimento saudável das plantas, resultando em maiores produtividades. 

Realizar uma análise de solo adequada e seguir as recomendações técnicas são passos fundamentais para o sucesso dessas práticas. Com a compreensão adequada dos processos envolvidos na calagem, os produtores podem tomar decisões assertivas para otimizar o manejo do solo e maximizar a eficiência das culturas.

Essa prática, além de ser custo-efetiva, traz benefícios duradouros, contribuindo para a sustentabilidade da agricultura e para a saúde do solo a longo prazo.

Referências

MALAVOLTA, E. – ABC da Adubação. Editora Agronômica CERES Ltda. São Paulo (SP), 1979. 256 p.

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