Rotação de Culturas: benefícios, desafios e estratégias para o sucesso da sua lavoura
A rotação de culturas representa uma das práticas mais importantes para o sucesso da agricultura brasileira moderna.
Com o avanço do plantio direto, a monocultura deixou de protagonizar as áreas agrícolas brasileiras. Com isso, abriu-se espaço para o sistema de sucessão soja-milho “segunda safra”, principal sistema de produção de grãos do país e, mais recentemente em algumas áreas, a sucessão soja-algodão.
Porém, além do modelo consolidado de soja-milho, estudos também vêm apontando a possibilidade de também incluir outras espécies adicionais estão sendo consideradas em sucessão à soja.
Para entender melhor esse cenário, confira a seguir neste artigo um panorama completo sobre a rotação de culturas no país. O conteúdo é assinado pelos engenheiros agrônomos doutores Flávio Hiroshi Kaneko, Roque de Carvalho Dias e Carlos Alessandro Chioderoli, docentes do curso de Agronomia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, e Vagner do Nascimento, docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
A rotação de culturas e suas oportunidades
Em função de fatores edafoclimáticos, fitossanitários e econômicos, algumas espécies adicionais estão sendo consideradas em sucessão à soja para a rotação de culturas. São elas:
• Sorgo
• Gergelim
• Feijão-caupi
• Milheto
• Capim-braquiária
Mas será que a sucessão soja-milho “segunda safra” é inadequada? Certamente não, trata-se de um sistema consolidado há mais de três décadas no país, que proporciona rentabilidade econômica para os agricultores, técnicos e profissionais do setor, comércio e indústria, e gera receitas e qualidade de vida para a população brasileira como um todo. No entanto, há espaço para evoluir.
Diversos trabalhos elaborados por pesquisadores das Universidades, Embrapa, centros estaduais de pesquisas, fundações e consultorias privadas comprovam os ganhos com a diversificação de espécies. Alguns exemplos são:
• Sucessão consorciada soja – milho “segunda safra” + braquiária (ou outras forrageiras)
• Sucessão soja – braquiária “segunda safra”, principalmente quando integradas à atividade pecuária (sistema de integração lavoura-pecuária).
É evidente que, quanto maior a diversidade de espécies em diferentes estações e dos anos, melhor é o sistema. Por isso a importância do sistema de produção de rotação de culturas.
Benefícios da rotação de culturas
Econômico:
Esse é o principal, mas não necessariamente pelo aumento imediato da produtividade das culturas principais, e sim por melhorar o ambiente de produção, garantindo produtividades e qualidade do produto colhido ao longo dos anos
Maior abrangência de mercado, aumentando chances de sucesso:
A diversificação reduz os riscos da atividade agrícola frente às oscilações de preços e frustrações de safra quando se aposta tudo em uma ou duas espécies (como soja e milho).
Conservação do solo:
A inserção de espécies com boa biomassa de parte aérea e sistemas radiculares profundos garante menor impacto das gotas de chuva e melhor infiltração de água no solo, minimizando as perdas por erosão.
Esse é o principal aspecto a ser observado na rotação de culturas: manter boa cobertura vegetal sobre e “dentro do solo” por meio das raízes, fazendo com que haja maior agregação e macroporos (canalículos) no perfil.
Neste aspecto, podemos considerar os seguintes aspectos e combinações:
• Destacamos as “Braquiárias” e “Panicuns” em cultivo solteiro ou consorciado com milho, sorgo ou milheto, por exemplo. Essas espécies realizam a reciclagem de nutrientes, dessorção de P e K, e controle à acidez potencial do solo por meio da formação de ácidos húmicos e fúlvicos a partir da decomposição das raízes em profundidade.
• Para regiões mais frias, tais benefícios podem ser obtidos também com os cereais de inverno (trigo, aveia e centeio).
• A inserção das fabáceas (feijão-guandu, crotalárias, tremoço e ervilhaca), brássicas (nabo forrageiro, carinata, crambe), poligonáceas (trigo mourisco), asteráceas (girassol), em consórcio com “Braquiárias e/ou Panicuns” pode trazer equilíbrio na relação C/N da palhada, além da fixação biológica de N (fabáceas).
• Pensando nas espécies com interesse econômico imediato, a cultura do algodão no sistema de rotação de culturas favorece a melhoria na fertilidade química do solo, visto que extrai altas quantidades de nutrientes, mas com baixas taxas de exportação. Assim, o algodão no sistema de rotação, em médio e longo prazo, pode representar economia de fertilizantes.
• O mesmo raciocínio é válido quando são inseridas espécies olerícolas, como alho, batata, cebola e tomate em áreas irrigadas.
É importante frisar que o balanço de nutrientes no solo, de forma isolada, embora oneroso, é o aspecto mais simples de ser corrigido via adubação.
Entenda como fazer uma boa cobertura de solo na região Sul.
Controle natural de pragas e doenças
A rotação de culturas com espécies não hospedeiras ajuda a diminuir a população de fungos e nematoides. Ela também aumenta a atividade biológica do solo com uma interação mais equilibrada e diversa entre a microbiota do solo e as raízes das plantas.
Vale destacar as ações de microrganismos capazes de predar macro e microrganismos maléficos ou mesmo induzir as plantas a produzirem substâncias que aumentam a resistência a esses (efeito elicitor).
Manejo inteligente de plantas daninhas
Pensando no aspecto das plantas daninhas, o uso intensificado dos herbicidas, principalmente à base de glifosato, gerou muitos problemas com espécies como o capim-amargoso, pé-de-galinha, buva, caruru, vassourinha de botão e outras.
Em contrapartida, a rotação de culturas com espécies de maior cobertura vegetal pode promover melhor controle por meio da barreira física, liberação de compostos alelopáticos e redução da amplitude térmica, fatores importantes na quebra de dormência de espécies de plantas daninhas.
Além disso, com a diversificação de culturas, é possível rotacionar moléculas de diferentes modos e mecanismos de ação, com menor seleção de indivíduos resistentes.
Como escolher as melhores espécies para rotação?
Para decidir quais as melhores espécies e sistema de produção a ser adotado em uma propriedade, é preciso antes observar e refletir sobre alguns aspectos.
Condições climáticas da região
Primeiramente, é fundamental pensar sobre o clima (e isso inclui os fenômenos “El Niño” ou “La Niña”). Dessa forma, é necessário considerar:
• Quais espécies têm bom desempenho agronômico frente à temperatura e balanço hídrico da região?
• Quais culturas são viáveis para serem implantadas dentro das janelas de plantio disponíveis?
Como exemplo, há regiões em que, em setembro, as chuvas se iniciam, facilitando a implantação da soja com Grupo de Maturidade Relativa (GMR) menor e do algodão ou milho na sucessão em janeiro/fevereiro, havendo boa precipitação até o mês de maio.
No entanto, há regiões em que as chuvas se estabilizam a partir de novembro, dificultando a condução da sucessão soja-algodão/soja-milho em tempo hábil para um bom desenvolvimento, considerando que as chuvas se encerram também em maio.
Nesse caso, outras espécies, como sorgo, milheto (grãos), as “pulses” ou mesmo as plantas de cobertura, são opções melhores. Outro aspecto se refere às geadas; muitas vezes há precipitação avançando em junho e julho, porém as temperaturas são baixíssimas, impedindo o desenvolvimento dessas espécies.
Aptidão da propriedade rural para a rotação de culturas
A aptidão da propriedade rural é outro aspecto crucial: qual a capacidade de uso do solo de determinada propriedade? Isso está relacionado à classificação do solo (profundidade, tipo e teor de argila, declividade da área) e às práticas de conservação adotadas.
Nos últimos anos, temos visto o descuido quanto a algumas práticas essenciais, como o terraceamento e a semeadura em contorno dos terraços. Está cada vez mais comum a semeadura “morro abaixo”, independente da classificação e capacidade do uso do solo.
Esse tipo de prática, associada a culturas que produzem baixa quantidade de palha, favorece as erosões e perdas de nutrientes.
Portanto, nesse caso, é crucial a inserção de espécies com profundo sistema radicular, capazes de favorecer a formação de canalículos que facilitem a infiltração de água no solo. Também é importante que, ao mesmo tempo, formem sobre a superfície boa camada de palha, que impeça o contato direto das gotas de chuva com o solo.
Investimentos e conhecimento
Um dos aspectos que também precisa ser considerado é ter um olhar mais específico dentro dos talhões, podendo o produtor adotar sistemas e espécies diferentes de acordo com as especificidades de cada gleba.
Para isso, é necessário também pensar nos investimentos, no conhecimento do produtor e dos profissionais envolvidos no processo.
Vamos imaginar um exemplo de cenário: um agricultor que pensa em fazer a integração lavoura-pecuária (ILP), mas não tem experiência com a comercialização de bovinos. Sua propriedade não possui a estrutura com cercas, curral e bebedouros, e os colaboradores não estão acostumados com a “lida” com o gado. Além disso, ainda precisa investir fortemente na compra dos animais.
Por mais que a ILP seja rentável, a tomada de decisão deve ser criteriosa e com estratégias que não extrapolem os limites das boas práticas agronômicas para a mudança no sistema de produção. Dessa forma, a diversificação e rotação de culturas necessitam de estratégias para que as dificuldades sejam vencidas.
Principais desafios da rotação de culturas e como superá-los
Um dos principais desafios é a semeadura e o estabelecimento das culturas e plantas de cobertura no final da janela de plantio (a partir de março na maioria das regiões do cerrado).
É possível também que falte água suficiente para garantir a adequada germinação das sementes (principalmente com semeaduras à lanço sem incorporação), ou mesmo para o desenvolvimento satisfatório das plantas.
Outra importante dificuldade é o uso de herbicidas com longo residual nas culturas principais, podendo interferir negativamente nas espécies em sucessão. Assim, a definição do rol de espécies e sistemas deve ser feita com prévio planejamento.
Além disso, a cobertura vegetal ou restos culturais deixados na superfície do solo podem interferir negativamente na “plantabilidade” das culturas sucessoras.
Entre os problemas que essa condição pode causar estão o embuchamento de palha na semeadora, envelopamento e deposição em profundidades variáveis das sementes, principalmente semeadoras com configuração mecânica inadequada, além de estiolamento exagerado das plantas na fase inicial.
A seguir estão algumas dicas para lidar com essas condições:
• Antecipação da época de semeadura: essa é a principal estratégia, porém, é dificultada nos últimos anos em função das instabilidades das condições climáticas.
• Implantação com semeadoras em linhas (de precisão ou de fluxo contínuo): é um substituto da semeadura à lanço (para capins, milheto, nabo, crotalárias).
• Dessecação antecipada: muitas vezes em período superior a 40 dias antes da semeadura;
• Manejo com rolo faca para deitar a cobertura sobre o solo: deve ser feita, preferencialmente, com pelo menos 20º de ângulo em relação ao sentido da semeadura seguinte;
• Uso de discos de corte de maior diâmetro ou de diferentes tipos: sejam lisos, recortados, estriados, ondulados ou do tipo “turbo”, em semeadoras melhor configuradas, são ferramentas essenciais que podem contornar tais situações. Em solo não compactados e friáveis, a abertura dos sulcos com discos duplos pode ser a melhor opção, embora em condições mais adversas as hastes podem proporcionar melhores condições, desde que observados os aspectos citados anteriormente.
Conclusão
A rotação de culturas e diversificação de espécies são práticas importantes e lucrativas para o produtor, desde que “não se façam loucuras”.
Vale ressaltar que mudanças repentinas no sistema, sem respeitar a curva de aprendizagem do produtor e da equipe (o produtor muitas vezes está apto, mas a equipe ainda não), podem proporcionar frustrações.
É preciso iniciar em áreas menores, mesmo com boas estruturas em máquinas e equipamentos, e seguir o máximo possível as boas recomendações agronômicas. A prática pode ser diferente da teoria, mas não muito.

